Esta seção é dedicada à discussão dos termos e conceitos que são abordados na pesquisa. A partir dos estudos de gênero e da Teoria “Queer” nos anos 90 (Butler, 2003) surgiu a preocupação em conceituar os termos homossexual, gay, homoerótico, homoafetivo, homossexualismo, homossexualidade, homoerotismo e homoafetividade.
O termo inglês “queer” originalmente significa ‘estranho’. Em meados dos anos 70, nos Estados Unidos, foi muito usado para ofender os homossexuais. Com o aparecimento do “Gay Power”(Green, 2006, p. 159-162), o termo passou a ser usado pela comunidade homossexual não mais com o sentido pejorativo e ofensivo, mas como uma palavra que significava “diferente e singular” (Santos, 1984).
Segundo Oliveira (2006), nos anos 90, a Teoria Queer surgiu para desafiar as concepções de linguagem e gênero focadas no modelo da dominação e diferença e pautadas no binarismo sexo-gênero para tratar de linguagem e gênero. A Teoria Queer questiona a construção de uma identidade única e trata a homossexualidade e heterossexualidade como categorias de conhecimento e como status social e identitário.
Para Taques (2007), os termos homossexual, homoerótico, homófilo, gay e entendido são palavras que são usadas para nomear os sujeitos que se relacionam sexualmente ou têm desejos por pessoas do mesmo sexo biológico e “trata-se de uma ‘nomeação’ que, via de regra, não implica pejorativa” (Taques, 2007, p. 223). O autor discute amplamente todos os termos que são usados e as concepções que cada um traz. A discussão inicia-se em torno do termo ‘homossexual’ considerado o mais usado na sociedade, mas utilizá-lo parece arriscado, pois muitos sujeitos homoeróticos não se consideram homossexuais. O termo ‘gay’ passa pela idéia de questão identitária: ‘identidade gay’. Há dois pontos importantes que envolvem este termo: a valorização desta identidade para combater o preconceito e afirmação de uma única identidade possível para os sujeitos homoeroticamente inclinados (Taques , 2007).
Essa utilização de diversas nomenclaturas também ocorre no Brasil, onde os grupos de luta pelos direitos homossexuais empregam variados termos para se identificarem. Mott (1996, p. 13) defende a permanência dos termos homossexual e gay, pois acredita que evocam uma historicidade ligada ao resgate e luta de sentidos propostos pelos movimentos gays norte-americano e brasileiro a partir das décadas de 70 e 80.
Trevisan (2007, p. 188) considera que tanto faz utilizar os termos gay, homossexual ou homoerótico, pois ainda a sociedade vê o homossexual como doente e anormal.
Antes do século XVIII, o homossexual já era vista como um ser anômalo. Na segunda metade do século XIX, o termo homossexualidade foi empregado para denominar de uma única forma o que era falado de diversas maneiras: molices, pederastia, sodomia, pecado infame, nefandices. Todas palavras eram empregadas com o objetivo de nomear as práticas sexuais entre pessoas de mesmo sexo biológico.
Do século XVIII ao século XIX, a palavra “invertido” passou a ser usada como um termo para designar sujeitos homossexuais. Segundo Badinter (1992, p. 32) “invertido” associa-se a “efeminado”, portador de uma inversão sexual.
A concepção e definição do termo homossexualidade só seriam mais empregados décadas depois. De acordo com Trevisan (2007, p. 177-178), em 1862 um juiz alemão, Karl Heinrich Ulrichs, criou a palavra uranismo, derivada da Afrodite Urânia, a musa que, no discurso de Pausânias, no Banquete de Platão, representava o amor entre homens (Platão, [360 a.C.] 1972), mas, segundo Fry & MacRae (1985, p. 12), somente em 1869 que surgiu a palavra homossexualidade, na Alemanha, pelo médico austro-húngaro Karol Maria Kertbeny.
Então, em 1869, surge o termo homossexual para viabilizar as abordagens sobre os aspectos da sexualidade desviante com mais rigor e precisão. Até aquele momento, a conceituação de homossexualismo enquanto categoria lingüística e científica era sob uma ótica mais rigorosa e subjetiva. (Trevisan 2007, p. 177-178).
De acordo com Taques (2007, p. 226), “o termo “homossexual” poderia ser considerado como uma grande categoria (guarda-chuva) para abarcar toda a diversidade das homossexualidades”. Entretanto, não seria aconselhável ainda utilizá-lo, pois muitos sujeitos que se relacionam com pessoas do mesmo sexo têm enormes dificuldades em se considerarem homossexuais (Taques, 2007).
O termo “gay” possui uma maior aceitabilidade entre os homossexuais masculinos (Mott, 1996). Segundo Silva (2001), foi por meio dos movimentos de liberação homossexual, sobretudo após o incidente de Stonewall em Nova York em 28 de junho de 1969, que surgiu o termo gay como forma de apagar o teor psiquiátrico do termo homossexual. Este termo é muito usado pelos movimentos de luta e liberação dos direitos homossexuais.
Na sociedade contemporânea, o uso do termo homossexualidade, baseado no fato de que tende a dar conta de uma condição humana e de uma orientação sexual, parece ter um uso mais amplo e dinâmico que o seu sinônimo homossexualismo. A partir dos anos 80, homossexualismo dá lugar ao emprego de homossexualidade por se tratar de um termo menos discriminatório, mais isento e amplo. O primeiro concebia uma doença, e o segundo é menos discriminatório, porque não é mais considerada como uma doença, todavia, homossexualidade ainda atenuava a idéia que há uma identidade, algo que caracterizasse as pessoas que praticam relações afetivas e sexuais com pessoas do mesmo sexo, e é exatamente esse ponto que a proposta de Costa (1992) vai criticar.
O termo homoerotismo é proposto por Costa (1992) com o objetivo de desfazer as concepções ligadas às noções de homossexualismo ou homossexualidade. Para o autor, a noção de homoerotismo é mais adequada por descrever as práticas ou desejos dos homoeróticos em sua pluralidade e desconstrói qualquer visão essencialista ou patológica.
Homoerotismo é uma expressão usada atualmente no lugar de homossexualidade. Tem suas origens nos estudos psiquiátricos e a implicação de que a subjetividade é um efeito da linguagem, e o indivíduo, a transparência e convergência das crenças, desejos e relações públicas, privadas e sociais (Costa 1992; 1995).
O conceito de homoerotismo pode ser a descrição plural das práticas ou dos desejos dos homens e mulheres que têm uma orientação sexual por pessoas do mesmo sexo. A conceituação afasta-se da premissa de que a orientação sexual de um sujeito possa ser um desvio, degeneração, anomalia, doença ou mesmo um conjunto de comportamento pré-determinado pela sociedade.
A construção do homoerotismo abre ao sujeito homoerótico a possibilidade de sentir os mais variados desejos ou relações físicas de aspecto erótico por indivíduos do mesmo sexo biológico, não estando ligado com práticas pré-determinadas, mas sim com múltiplas subjetividades que a própria homossexualidade pode ter.
Costa (1992) justifica o fato de não concordar com o uso dos termos homossexualismo e homossexualidade com os seguintes argumentos: i) os termos relacionam-se à doença, à degeneração, ao desvio, ao crime; ii) pressupõem uma “essência”, uma marca subjacente a todos os sujeitos cuja orientação sexual tende ao amor entre pessoas do mesmo sexo biológico; iii) possuem uma forma substantiva indicativa de identidade. O sujeito homoerótico, por sua vez, não está preso a uma única identidade, mas em identidades pulverizada e fragmentadas, ou seja, podemos afirmar que o homoerótico tem vários homoerotismos.
O uso dos termos homossexualismo e homossexualidade não são adequados para denominar uma série de experiências e identidades tão múltiplas. Logo, o uso homoerotismo seria mais indicado, pois corresponde às características baseadas na noção de desejo e não de sexo e objetiva afastar o senso comum das idéias equivocadas atribuídas à palavra homossexual. Em síntese, a noção de homoerotismo exclui a possibilidade de se pensar o homoerótico como desviante, anormal, doente ou pervertido e que ele tenha uma biologia diferente do heterossexual.
Sobre o conceito de homoerotismo, Almeida Neto (1999, p. 23) é contra os argumentos de Costa (1992) porque esta conceituação ainda está sob a noção de identidade homossexual.
Silva (2007, p.19), por seu turno, rejeita a utilização do conceito de homoerotismo por considerar que “ele conduz à invisibilidade do componente sexual da homossexualidade, ao mesmo tempo em que nega a existência de uma identidade gay.”
Oliveira (2006, p. 21) levanta a questão em torno dos termos homossexual/homossexualismo e homoerótico/homoerotismo e a necessidade de se ter um termo que abarcasse o aspecto afetivo dos homoeróticos. A autora argumenta que Costa (1992, p. 21-22) propôs os termos homoerótico/homoerotismo que negam as idéias do século XIX, como doenças físicas ou psicológicas, mas aludem a um dos aspectos de preconceito contra gays que é o interesse e prática sexuais exagerados. A homoafetividade realça, semanticamente, o aspecto relevante dos relacionamentos que não é de ordem, tão somente, sexual, e sim da afetividade, e o afeto independe do sexo do par.
Segundo Dias (2007, p. 1), “o exercício da sexualidade, a prática da conjunção carnal ou a identidade sexual não distinguem os vínculos afetivos. A identidade ou diversidade do sexo do par gera espécies diversas de relacionamento”. Mediante este fato, trata-se de se destacar as relações homoafetivas ou heteroafetivas do que em relações homossexuais ou heterossexuais.
Oliveira (2006, p.33) destaca que a homoafetividade ganhou espaço significativo no final do anos 90, publicando e apresentando para a sociedade o termo gay de forma menos estereotipada, mas ainda com forte enraizamento em uma visão de prática sexual marginal, impedindo aqueles que se relaciona com pessoas de mesmo sexo de gozarem dos mesmos direitos dos heterossexuais.
Mesmo não havendo concordância total acerca do uso de homoerotismo, ao longo deste trabalho adotaremos, preferencialmente, os termos homoerotismo e homoerótico para discutirmos as relações entre pessoas do mesmo sexo sob a ótica de Costa (1992), em que se reconhece um ser com uma sexualidade plural e que corresponde ao desejo, e não a sexo, e que exclui toda noção das idéias referentes à homossexualidade. Quando abordarmos os autores que trabalham com os termos homossexualidade, homossexual e gay, estes dois últimos considerados sinônimos, também os utilizaremos. A conceituação de homossexualismo não será abordada, pois o sufixo “ismo” nos leva à categoria de patologia, e esse não é o foco de abordagem nesta pesquisa.
Izaac Azevedo dos Santos
Mestre em Letras pela PUC-Rio
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Referências Bibliográficas:
Texto extraído da dissertação de Mestrado:
SANTOS, Izaac Azevedo dos. Narrativas de um adolescente homoerótico: conflitos do ‘eu’ na rede de relações sociais da infância à adolescência. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação de Mestrado – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
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